domingo, 24 de fevereiro de 2013

Para a lua de Saturno - Luis Fernando Verissimo


Há momentos na vida em que o Homem (aí subentendida a Mulher também) chega assim a um promontório filosófico, de onde avista o caminho que já percorreu e o caminho que ainda precisa andar ou, se ele tiver sorte e aparecer um táxi, rodar. São momentos de grave introspecção em que o Homem faz um inventário de si mesmo seus sonhos, suas desilusões, suas possibilidades, e onde diabo enfiei o antiácido? e se faz perguntas. Valeu a pena? Devo continuar? Aproveito o promontório e me atiro? Quem sou eu e por que estou aqui falando sozinho?

Do mesmo promontório metafórico podemos pensar no nosso lugar no mundo, nisso tudo que não é Brasil e não sabe o que está perdendo. E sei que falo por bilhões e bilhões de pessoas que frequentaram este planeta desde que éramos apenas pré-hominídeos confusos, que não sabiam nem fazer fogo nem copular de frente, quando concluo que não queria estar em outro planeta e, que, na média, tem sido bom. Pelo que sabemos de outros planetas, nenhum se iguala ao nosso.  Marte, já descobrimos, é um imenso estacionamento. Outros estão em combustão permanente, não duraríamos dois minutos em sua superfície. Dizem que há condições de vida humana numa das luas de Saturno, mas os dias são longuíssimos, o que inviabilizaria as reuniões de família aos domingos. Vivemos no mais conveniente dos mundos possíveis.

Está certo, fizemos bobagens. Guerras, filhos demais, sacanagem com os outros, carros com rabo de peixe, neoliberalismo – mas também produzimos coisas admiráveis. Dou só dois exemplos: a Catedral de Chartres e a Patrícia Pillar. E nos divertimos, foi ou não foi? O planeta nos acolheu sem fazer perguntas, nos deu a água e o oxigênio que precisávamos para sobreviver e ainda entrou com alguns crepúsculos de brinde, sem falar em toda a parte decorativa, no cheiro de capim molhado e no pudim de laranja. Obrigado, velho! Se não fizemos melhor foi porque ainda não deu tempo. Afinal, 10 mil anos de história humana são o quê? Apenas uma comichão no lado da Terra, que ela atribuiu a um mosquito.  

É verdade que não temos retribuído à altura tudo que a Terra nos dá. Já obliteramos cataratas, arrasamos florestas, enchemos o ar de sujeira, destruímos a capa de ozônio e testamos a paciência da Natureza de mil outras maneiras. A questão é se a atividade humana continua a ser desprezada pela Terra, como coisa de insetos insignificantes, ou se todas as evidências de que o clima enlouqueceu, os polos estão derretendo etc. são sinais de que a Natureza está finalmente reagindo, e pretende nos varrer da face da Terra. Talvez seja o caso de entendermos as indiretas e começarmos a pensar em colonizar a tal lua de Saturno.

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